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Friday, December 16, 2005

Madame Satã



Por Maria do Rosário Caetano


O ator baiano, vindo do Olodum, brilha em cinco filmes. Lázaro Ramos é uma revelação que está chegando através do cinema.
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Em fevereiro de 1961, o então fotógrafo e jornalista Luiz Carlos Barreto estampou, na revista “O Cruzeiro”, magníficos retratos de Luíza Maranhão. A jovem cantora, de 22 anos, estreava como atriz em “Barravento” (Glauber Rocha). No texto escrito para saudar a futura musa do Cinema Novo, Barreto garantia: “Luíza tem o jeito e o talento de Sophia Loren”. E mais: “quando ‘Barravento’ chegar às telas, sua heroína, Luíza Maranhão, uma gaúcha autêntica, será a namorada negra do Brasil”.
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Passaram-se 41 anos. Luíza anda sumida. E os atores negros como ela ainda lutam por grandes papéis no cinema. Um deles, porém, furou o cerco e construiu, com rapidez e brilho, sua hora e vez. Já tem avalista para seu talento. Alfredo Ribeiro, o Tutty Vasquez, avisou em sua coluna semanal na revista “Época”: “chama-se Lázaro Ramos o melhor ator brasileiro da atualidade!”.
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Lázaro, baiano legítimo, chegará às telas brasileiras em dois papéis de protagonista: num, encarna o homossexual Madame Satã. No outro, André, jovem fotocopiador, que reproduz imagens e textos numa máquina xérox. Neste mês de julho, o ator, que saiu das fileiras do Bando Teatral Olodum, poderá ser visto em “As Três Marias”, de Aluízio Abranches. Em novembro será a vez de “Madame Satã”. Em fevereiro, o Festival de Berlim o verá na pele de “O Homem que Copiava”. Dois dos outros filmes que o têm no elenco – “O Homem do Ano”, de José Henrique Fonseca, e “Carandiru”, de Hector Babenco – estarão no circuito dos festivais e salas de exibição, em datas ainda por definir.
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A partir da estréia comercial de “Madame Satã”, Lázaro se aproximará de um dos maiores atores negros da história cinematográfica brasileira: Milton Gonçalves (hoje com 68 anos). É curioso lembrar que a glória máxima de Milton também se deu com personagem inspirado em Madame Satã: a Rainha Diaba (de Plínio Marcos & Antônio Carlos Fontoura). Pelo travesti que protagonizou o thriller pop-gay de Fontoura, Milton ganhou de uma tacada só o Candango, no FEST Brasília, o Air France, o Governador do Estado e a Coruja de Ouro.
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Quantos prêmios ganhará Lázaro Ramos? Só o tempo dirá. Enquanto isto, vale rever sua curta – e bem sucedida – trajetória. Lázaro tem 23 anos. Iniciou-se como ator no Bando de Teatro Olodum, usina de talentos. Estreou no cinema, “numa participação afetiva”, em “Jenipapo” (Monique Gardenberg/1996). Depois faria papel de destaque em “Cinderela Baiana” (Conrado Sanches/1998), filme protagonizado pela dançarina Carla Perez. “Me coube interpretar o melhor amigo da Cinderela baiana” – relembra, para, em seguida, confessar: “O filme pouco me exigiu como ator, até por suas duvidosas qualidades, mas sou grato ao convite que Conrado e Antônio Galante me fizeram, pois a partir deste filme consegui me dedicar somente à minha profissão de ator”. Naquela época, Lázaro trabalhava como Técnico em Patologia. “Com o dinheiro que recebi pelo filme consegui abandonar o emprego e me dedicar por inteiro ao teatro”.
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Outro papel pequeno levou o ator ao casting de “Sabor da Paixão”, produção norte-americana comandada pela venezuelana Fina Torres. Lázaro interpretou um dos amigos baianos do protagonista (Murilo Benício), amante apaixonado e caliente da cozinheira Penélope Cruz.
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O quarto filme do jovem integrante do Bando Olodum foi “As Três Marias”. “Pela primeira vez” – avalia – “tinha em mãos o desafio de criar um personagem mais elaborado. Me entreguei por inteiro, comecei a aprender (e a me apaixonar por) cinema. A cada novo dia no set, meus olhos brilhavam no contato com os colegas e com toda aquela parafernália de equipamento. Atores e diretor, tão generosos, me motivavam. E havia aquele balé com a equipe técnica. Um balé capaz de, num segundo, levantar uma grua ou montar um carrinho”.
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O ator encantou-se com “a oportunidade de lidar com o humor” num filme cuja narrativa “se desenvolve num universo mais puxado para o dramático”. Lembra que se sentiu “desafiado a descobrir o equilíbrio entre a comédia e o drama”. E que “a busca desta descoberta virou motivo de grande prazer”.
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O personagem de Lázaro Ramos em “As Três Marias” chama-se Catrevagem, e funciona como tradutor para Zé das Cobras (Enrique Dias), um matador que não fala com mulheres. Daí sobrar-lhe a função de intermediário entre o assassino de aluguel e uma das Marias – Maria Francisca (Julia Lemmertz).
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Outra “experiência estimulante” se deu em “O Homem do Ano”, produção da Conspiração Filmes, comandada por José Henrique Fonseca. O filme, baseado no romance “O Matador”, de Patrícia Mello, foi roteirizado por Rubem Fonseca, e tem Murilo Benício como protagonista (na pele do oxigenado Michael). “Eu faço o Marcão, amigo do Michael. Marcão é mecânico e, meio ‘sem querer’, ele e sua turma de amigos (além de Benício, os atores André Gonçalves, Paulinho Moska e Perfeito Fortuna) viram matadores”.
.Sexo e sangue – O realizador Karim Aïnouz, 36 anos, é um cearense que vive nos EUA. Apaixonado pela trajetória de Madame Satã (o pernambucano João Francisco dos Santos/1900-1976), moveu montanhas para realizar seu primeiro longa. Encontrou na Videofilmes a sua produtora, e em Lázaro Ramos seu intérprete ideal.
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Ao ser escalado por Aïnouz, o ator conseguia, em seu quinto longa-metragem, o primeiro papel como protagonista absoluto. “Creio” – diz entre brincando e sério – “que estou em todas as cenas do filme. Trabalhei muito, muito mesmo”. Depois, ressalta que “o trabalho é bem dividido com os atores que conduzem o filme comigo”. Cita Marcélia Cartaxo, Flavio Bauraqui, Felipe Marques, Renata Sorrah, Emiliano Queiroz, Ricardo Blat e Marcello Valle.
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A “Rainha Diaba”, de Plínio Marcos & Fontoura, marcou o cinema brasileiro nos anos 70. Além de causar frisson com o magnífico desempenho de Milton Gonçalves, o thriller gay fontouriano chegou disposto a dialogar com o grande público. Por causa do rigor censório dos anos Médici, os filmes brasileiros mergulharam, no pós-AI-5 (a definição é de Antônio Houaiss) no neobarroquismo. Eram herméticos, quase impenetráveis (que o digam “Os Deuses e os Mortos”, de Ruy Guerra; “Quem é Beta?” e “Azyllo Muito Louco”, ambos de Nelson Pereira dos Santos). O próprio Nelson tentava diálogo popular com o vibrante “O Amuleto de Ogum” (1975, mesmo ano de “Diaba”). Pois a Rainha pop-gay mobilizou 236.805 espectadores. Serviu de esquentamento para os anos de ouro da era embrafílmica (1976/1979), quando muitos filmes venderam mais de um milhão de ingressos. E “Dona Flor” vendeu 11 milhões.
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Se depender do empenho e entrega de Lázaro Ramos, o “Madame Satã” de Aïnouz mobilizará grandes platéias. “Me coube fazer, neste filme, o próprio João Francisco, um homem que existiu e que se fez mito”. E acrescenta: “falar que o personagem é um homossexual carioca, malandro que batia em polícia, me parece pouco. Isto é o que todos sabem dele. Nosso filme foi feito para vermos João Francisco por outros prismas”.
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Para Lázaro, “ele foi uma pessoa que nasceu 12 anos após a Abolição da Escravatura e, como muitos outros negros, não dispunha de opções variadas de trabalho”. Isto “porque os escravos foram libertados... e só. Nada foi feito para que se inserissem, como cidadãos, na sociedade brasileira”. O jeito para João Francisco “foi usar como arma de sobrevivência sua única opção, o corpo, seja lutando capoeira, fazendo shows ou se envolvendo com o crime”.
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“Madame Satã”, o filme, se passa na Lapa boêmia, anos 30 e 40. “Mas a questão da sobrevivência de um negro brasileiro”– pondera Lázaro – “permanece muito atual. Tão atual quanto outras questões tratadas no filme, como os relacionamentos humanos. Por isto, tenho para mim que “Madame Satã” é um filme sobre um personagem muito complexo, que não pode ser explicado com uma só frase”.
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O desafio de incorporar Madame Satã foi imenso. “Além de ser meu primeiro trabalho como protagonista” – pondera – “tive que elaborar sobre essa personalidade tão rica, que vai do malandro ao sensual, passando pelo carente, que dá uma voltinha no carinhoso e se equilibra na violência”.
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João Francisco dos Santos é visto em “Madame Satã” já na casa dos 30 anos, fase em que se inicia no crime. Depois de desfilar fantasiado de Madame Satã, o nome gruda em sua persona como tatuagem na pele. Chega aos 40 anos. O filme não vai até sua fase derradeira. Ele morreria no Rio, cidade que adotou, aos 76 anos.
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Como um ator de apenas 23 anos se preparou para viver personagem de 30 e, depois, 40 anos? Lázaro confessa que foi difícil, embora prazeroso, pois “tive a oportunidade de lidar com emoções muito diversas, e algumas pelas quais ainda não passei. Para tanto, contei com a colaboração fundamental do Karim Aïnouz, realmente muito habilidoso, com Luís Henrique, o preparador de elenco, e com os colegas atores, dos quais recebi, todos os dias, um olhar cúmplice”. E há “Walter Carvalho na fotografia. Não tenho o menor pudor em adjetivá-lo como grande gênio generoso”.
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Perguntas ligadas ao sexo homossexual se impõem numa conversa com o intérprete de personagem que fez do corpo o seu instrumento de trabalho. Lázaro prefere não se ater a elas, isoladamente. “É difícil”– pondera – “comentar cenas isoladas quando o filme, que teve tantas cenas difíceis, se apresenta por inteiro. Há cenas de luta, sempre difíceis de fazer; há cenas que envolvem sentimentos profundos. Espero que o filme, com seus muitos temas, conduza cada espectador a um mundo diferente, um mundo capaz de tocá-lo de maneiras muito particulares”.
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André e o xérox — O segundo papel de protagonista de Lázaro Ramos se deu no filme gaúcho “O Homem que Copiava”, segundo longa de Jorge “Ilha das Flores” Furtado. O ator mal terminara as filmagens de “Madame Satã” e já atendia ao desafio de dar vida a André, “estudante comum e tímido, empregado numa fotocopiadora”.
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Lázaro define seu personagem: “André é um jovem de 19 anos que, assim como muitos jovens brasileiros, não tem muita perspectiva na vida. Ele gosta muito de desenhar e seu trampo é tirar xérox numa papelaria”. Da experiência gaúcha, Lázaro Ramos guarda “o prazer de trabalhar com Pedro Cardoso, de quem sou fã assumido, e Jorge Furtado, diretor dos mais criativos e talentosos”, além de “conhecer o competentíssimo trabalho da Casa de Cinema de Porto Alegre, produtora do filme”.
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Hector Babenco viu Lázaro Ramos em “Madame Satã” e o convidou para o numeroso elenco de “Carandiru”, recriação cinematográfica do best-seller “Estação Carandiru”, de Dráuzio Varela (há 118 semanas na lista de livros mais vendidos).
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O consagrado diretor de “Pixote, a Lei do Mais Fraco”, apaixonado pelos desvalidos da sorte, convocou Lázaro para dar vida ao surfista Ezequiel. “Meu personagem vive trajetória tragicômica, que vai da saúde total e do prazer de gozar a vida, na maior, viajando pelas ondas do mar, até que passa uma transformação dentro do presídio, onde começa a viajar pelas ondas do crack”.
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Lázaro dedicará seus próximos meses à divulgação dos novos filmes. Mas avisa que espera muitos e novos convites, pois “o cinema é hoje em dia a minha grande paixão. Era assim como espectador e, agora, tornou-se ainda maior, já que passei, como participante ativo, a fazer parte dele”.
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O ator espera convites para “papéis o mais diversificados possível”, pois entende que “faz parte do aprendizado de um intérprete caminhar por vários universos, explorar seus sentimentos, seu corpo e sua voz nas milhões de formas possíveis”.
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