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Cabaré da Rrrrraça

Wednesday, May 12, 2010

'Eu posso compor sonhos'

Entrevista com o ator e diretor Lázaro Ramos, descrito como alguém que 'traz uma capacidade de realização que nos faltou no tempo e no espaço'Lázaro Ramos, em Ó Pai Ó:'o teatro foi uma busca de uma identidade, de uma maior compreensão do mundo, de quem eu sou e de quem eu era.'

'Como ator, eu me apaixono pela proposta de uma outra pessoa e vou contando histórias. Como diretor, eu posso compor sonhos para as outras pessoas'. Hoje com 31 anos, Lázaro Ramos consagrou-se como um dos mais talentosos artistas dramáticos da sua geração, trabalhando no teatro, no cinema e na televisão. Sua atuação é de tal forma expressiva que a Época o considerou um dos 100 brasileiros mais influentes de 2009. Em 2007, ele foi indicado ao Emmy de melhor ator pela participação na novela Cobras e Lagartos, e ao longo de sua carreira cênica foi premiado diversas vezes nacional e internacionalmente. Além de artista, atua em causas sociais e é embaixador da Unicef.

Na Época, o também ator Milton Gonçalves disse sobre ele: 'como falar de uma pessoa que, já num primeiro contato, deixa a gente num canto, só olhando, prestando atenção em como ele fala? De onde veio esse cara com uma fala mole, registro de linguagem cheio de pausas e um jeito dengoso de se expressar? De onde veio esse menino magrinho e cheio de ginga, um ar de protegido por todas as linhas de santos e uma confiança de quem sabe onde está se metendo? (...) Lázaro traz uma capacidade de realização que nos faltou no tempo e no espaço'.

Abaixo, o baiano fala à Capitu sobre não se poder reduzir o teatro à definições, sobre sua formação, sobre os problemas da criação artística fora do eixo Rio-São Paulo e sobre a mistura muitas vezes dita necessária de causa artística com causa social: 'a maneira que encontrei de lidar com isso é uma opção minha; tem pessoas que talvez contribuam de outro jeito'.

Teatro como Busca
O teatro é o lugar da liberdade. Quando você coloca uma regra, um estilo ou uma maneira de se relacionar com ele acaba sendo um pouco uma inverdade. Cada artista escolhe a sua maneira de se comunicar através do teatro. Tem gente que escolhe o humor. Tem gente que vai escolher o teatro de papéis diferentes cheios de improvisos no palco. A minha maneira de me relacionar com o teatro muito variável. Um artista como eu, que veio do Nordeste, um ator negro, que está numa fase onde a visibilidade é grande... acho que eu tenho que jogar a todo tempo com todas as maneiras de me comunicar. Às vezes, é necessário fazer uma coisa mais popular e, às vezes, é necessário fazer uma coisa mais alternativa. São diferentes maneiras de comunicação que mudam de acordo com o tempo que eu estiver vivendo. Para mim, o que eu penso ser mais bonito no teatro é a liberdade e a busca de algo que dialogue com o mundo. Meu anseio é este: conseguir dialogar com que o resto do mundo está dizendo.

'E eu não quero parar no tempo. Ontem eu me comunicava de um jeito, hoje eu me comunico de outro e amanhã, com certeza, quando eu tiver cinqüenta será diferente novamente. O teatro foi uma busca de uma identidade, de uma maior compreensão do mundo, de quem eu sou e de quem eu era.'

O por quê de ser ator ou atriz
'Eu não escolhi primeiramente ser ator, não. O teatro entrou na minha vida como um artifício para fugir da timidez, na época da escola, da primeira à quarta série, depois na sétima. No terceiro ano colegial, eu comecei a fazer curso, e aí eu também já fazia parte de grêmio estudantil. Era uma forma de eu me comunicar com os estudantes, com a direção da escola, para falar sobre a realidade da escola, pra gente falar de nossas questões de adolescente.

'A profissão veio já quando eu estava formado pelo Bando de Teatro do Olodum. O que eu queria era poder me dedicar a uma outra profissão e, se desse para continuar a fazer teatro, eu continuaria fazendo. Fui assim um profissional dividido durante dois anos... dois anos e pouco: eu fazia o curso técnico em Radiologia juntamente com o Teatro. Fui entrando muito naturalmente na profissão. Acho isso muito saudável: você buscar em si mesmo o por quê de querer ser ator ou atriz independente da fama e outras coisas.

'Eu acho que eu conseguiria fazer outras coisas, mas a profissão de ator é o que realmente me completa. Principalmente que, hoje em dia, eu venho conseguindo conciliá-la com outras atividades, por exemplo, dirigir, produzir, ou até mesmo o trabalho socialmente responsável que eu venho desenvolvendo recentemente como embaixador da Unicef. Tudo isso só foi possível por causa da minha profissão de ator e da visibilidade que essa profissão me deu.'

'Olha o corpo em cena!' + ator igual a autor
'No Anísio Teixeira [colégio no qual Lázaro fez o colegial], o professor tinha uma cisma muito grande com técnica vocal e a maneira de como andar no palco. Eu lembro disso até hoje! Ele dizia: 'olha a maneira como anda no palco, Lázaro!', 'olha a projeção do corpo em cena!'. No teatro mais popular, eles dão muito mais liberdade para a construção disso. No Bando, é aquela coisa do improviso: ator igual a autor. Ou seja: você trabalhar a sua opinião sobre aquele texto, texto que, normalmente, já foi montado várias vezes. Pela tendência ao improviso, esses grupos dão a você uma experiência de atuar e interpretar em qualquer universo que um diretor de teatro venha a dar a você. Eles trabalham com textos diversificados desde os clássicos como Dom Quixote, até Ó Pai Ó, assim como Sonho de uma Noite de Verão, Zumbi do Palmares. Essa diversidade fornece uma aptidão para atuar em qualquer universo que é raro que os atores tenham hoje em dia. Geralmente, você tem uma escola de interpretação que é seguida e que todos do grupo a seguem.

Personagens não-oficiais da história não-oficial
'Geralmente, como ator, eu me apaixono pela proposta de uma outra pessoa e vou contando histórias. Como diretor, eu posso compor sonhos para as outras pessoas. Por exemplo, na produção do Espelho [programa de entrevistas exibido no Canal Brasil, coordenado por Lázaro desde 2006], a satisfação maior que eu tenho é que a cada semana eu posso entrar num mundo diverso, propor uma nova discussão, contar uma história de maneira diferenciada.

'A gente já está no quinto ano de programa. Cada edição com uma identidade muito própria, com entrevistados surpreendentes. Sempre uma discussão diferente. Sempre com muita liberdade. A entrevista é sempre feita com as pessoas da maneira mais sincera possível. A minha proposta como diretor é mostrar universos que não são vistos, as histórias não contadas ainda. Os personagens não-oficiais que fazem parte da história não-oficial do Brasil. Eles também precisam ser retratados. É tanta coisa que ainda precisa ser retratada.'

Produção artística fora do eixo Rio-São Paulo
'Eu sempre tive o sonho de que na minha terra, a Bahia, assim como em outros lugares que estão afastados do eixo Rio-São Paulo, os artistas conseguissem se articular para sobreviver artisticamente por si próprios, sem muita dependência de sair para outros lugares.

'No Rio Grande do Sul, tem uns artistas que se juntaram, se reuniram nos anos 80 para fazer cinema, para produzir cinema urbano regional. E hoje em dia eles são um dos grandes produtores de cinema do País. Todo ano eles lançam um longa-metragem. Vários filmes: O homem que Copiava, Meu Tio Matou um Cara, Tolerância, etc. Eles conseguiram fazer cinema se articulando internamente. Eu gostaria muito que a Bahia também conseguisse fazer isso. Na Bahia, sempre foi difícil, continua sendo e sempre será. Mas a Bahia tem uma mão-de-obra artística fantástica. Tem a capacidade para realizar muitas coisas. Só falta mais interesse do setor privado, mais interesse do governo, a articulação, de uma maneira mais ampla, da própria classe artística, essas coisas. Essas são questões que afetam todo o Brasil, na verdade.'

A união de arte e causa social é opcional
'Usar a posição de artista para causas sociais é uma coisa opcional. Eu venho de uma formação de participação em grêmio estudantil, de uma vocação para a mobilização social. Isso é uma coisa que está presente na minha vida de forma muito natural [saiba aqui sobre um dos projetos de Lázaro, o Ler é Poder, que organiza bibliotecas comunitárias e distribui livros]. Mas eu acho que às vezes as pessoas confundem a arte e a mudança social. Lógico que a arte é um meio de mudança, ela constrói muitas mudanças. Mas tem muita mudança que só se torna efetivamente possível se houver a parceria com aqueles que são os responsáveis pela administração da sociedade, se se atuar de forma conjunta com os mecanismos, com as instituições governamentais, com o poder público, enfim. A maneira que eu encontrei de lidar com isso é uma opção minha e uma escolha minha decorrente do meu histórico. Tem pessoas que até, talvez, consigam contribuir de maneira diferente.'

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