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Friday, January 06, 2006

Lázaro, o premiado

Festejado pela crítica, o baiano de 26 anos de idade que acaba de conquistar prêmio no 33º Festival de Gramado, fala da profissão de ator
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Por: Jeane Borges
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O baiano Lázaro Ramos não hesita na resposta ante a pergunta metafórica: “Você tem fome de quê?” “De aprender”, diz. Não, não se trata de uma saída politicamente correta. É a convicção de quem dá duro no batente e no palco, colhendo reconhecimento e credibilidade no teatro, em cinema e na TV.
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Lázaro, que se diz um homem comum, comemora, no momento, o prêmio de Melhor Ator no 33º Festival de Gramado por sua atuação como o preto velho João de Camargo, no filme Cafundó. Diz estar “superfeliz”, mas afasta qualquer hipótese de deslumbramento por conta da notoriedade. “A popularidade é bacana, mas a gente não pode acreditar que isso é tudo”.
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Com um pé no cinema (atua no filme Cidade Baixa, com pré-estréia marcada para outubro, em Salvador) e outro na TV (quadro no Fantástico), o escorpiano de 26 anos acumula os elogios da crítica especializada, e sabe que a sua história difere da maioria dos atores negros do País.
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Ramos vincula a sua história vitoriosa ao Bando de Teatro Olodum, a escola que o formou e à qual se sente ligado até hoje. Foi lá que começou a fazer teatro aos 10 anos de idade. De lá partiu para ganhar destaque na cinematografia brasileira em filmes como Madame Satã, de Karin Aïnouz, O Homem que Copiava, de Jorge Furtado, O Homem do Ano, de José Henrique Fonseca, e Carandiru, de Hector Babenco.
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Nesta entrevista por telefone, do Rio de Janeiro, Lázaro fala de arte, vida, amigos e amor e da desilusão com o governo do mensalão, dos escândalos e da crise generalizada. “Temos que manter uma vigilância constante sobre nossos governantes”.
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A TARDE - O prêmio de Melhor Ator no 33º Festival de Gramado, por sua atuação no filme Cafundó, foi surpresa ou já era esperado ?
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Lázaro Ramos – Foi surpresa. No filme, fiz um trabalho de risco. Interpretei um personagem dos 20 aos 85 anos de idade. Meu personagem foi construído na nobreza daquele cara, o João de Camargo. Na verdade, não fico esperando prêmios, não. Tanto é assim que na hora de ir ao festival (de Gramado) indiquei como representante o Leandro da Hora, que no filme fez o personagem Firmino, o melhor amigo do João de Camargo. Eu não esperava mesmo (ser premiado). Eu tava em Sorocaba quando o prêmio foi anunciado, no sábado passado. Recebi a notícia por Jorge Furtado, diretor do filme O Homem que Copiava.
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Qual a sensação quando a notícia chegou?
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Fiquei superfeliz, porque é importante uma história não oficial como a do preto velho João de Camargo ganhar visibilidade. O João de Camargo não é exatamente o vencedor da guerra. É um cara que teve contato com a sua fé e, dentro disso, inventou uma religião que é a junção de todas as religiões. No altar dele tem, ao mesmo tempo, a imagem de Getúlio Vargas, a de Iansã e a cruz de Jesus Cristo. O meu personagem é montado na biografia de João de Camargo.
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A construção do personagem foi muito difícil?
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Não foi nada simples, porque fazer personagem de um velho pode cair na caricatura. Mas descobri um truque que me ajudou muito. Vi as fotos dele, percebi que era um homem nobre, sereno e tinha um olhar no futuro. Resolvi construir o personagem com base nessas características.
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Como foi a experiência de ser dirigido por Paulo Betti na sua primeira incursão cinematográfica nesta função?
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A direção, na verdade, foi de Paulo Betti e de Clóvis Bueno (que fez também Carandiru). Betti conheceu Camargo, teve uma relação próxima com ele e, ao fazer a direção, ele era coração, deixou prevalecer o lado emocional. Já Clóvis permaneceu mais distanciado, tinha uma visão mais crítica da história. Isso deu um equilíbrio bacana.
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Em alguma ocasião sentiu mais dificuldade para atingir metas por ser negro e pobre neste País miscigenado?
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Em se tratando do meu trabalho, se eu disser que sim é mentira. Mas existe isso. A qualidade e a quantidade de papéis não são iguais para atores negros no Brasil, em relação aos outros. Vou dar um exemplo: em uma dessas novelas havia duas empregadas domésticas, negra e branca. A branca tinha uma inserção na dramaturgia, engravidava do patrão e a negra dizia apenas: “Sim, dona Helena; não, dona Helena”. Mas isso vem mudando, vem crescendo a participação dos negros na dramaturgia. Não passei por isso porque minha experiência profissional começou com o Bando de Teatro Olodum, grupo formado por atores negros, que se preocupa com essas questões artísticas e sociais. O Bando me abriu várias portas. O diretor João Falcão, de teatro e de TV, também me deu várias oportunidades. Ele dirigia (a série) Sexo Frágil. Mas esse meu reconhecimento vem junto com trabalho e dedicação. Agora, quem pode transformar essa realidade das diferenças é o público. É ele que pode exigir personagens que se pareçam com ele. É ele que pode dizer que quer se ver na tela.
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Você trabalha no filme Cidade Baixa, que tem estréia marcada para outubro próximo, não é?
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Em outubro vai acontecer a pré-estréia em Salvador, a estréia nacional acontecerá em novembro. Cidade Baixa é um filme belíssimo, tem uma alegria bacana, mostra o lado emocional baiano. O filme passa o desejo de ser feliz, de amar, de ser tolerante. Foi exibido no Festival de Cannes e ganhou o Prêmio da Juventude, foi escolhido como o melhor por uma platéia jovem. Em Salvador, já foi exibido para duas platéias, uma delas no Candeal. Esse filme tem 95% do elenco formado só por atores baianos – André Elia, João Miguel, Wilson Mello, Maria Menezes, Débora Santiago, Wagner Moura, Divina Valéria, Zeca Abreu, Harildo Déda. O diretor Sérgio Machado também é baiano. A Bahia merece esse filme que conta a história de um triângulo amoroso. Todos se amam intensamente – dois homens e uma mulher.
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O seu momento profissional se revela bastante rico: premiações, novos desafios, trabalho em cinema, em TV. Tem fórmula para o sucesso?
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Trabalho, dedicação. Não tem sucesso fácil.
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Na TV Globo, você participa de um quadro no Fantástico e compôs o elenco da série Sexo Frágil. Mudou muito sua vida com o trabalho em um veículo que atinge grandes massas?
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Acho que tem um diferencial trabalhar na TV, uma abordagem mais íntima do que no teatro e no cinema. Isso é bacana. Mas a realidade não mudou muito, porque os anseios são os mesmos. A popularidade é bacana, mas a gente não pode acreditar que isso é tudo. Sei lidar com isso. A escola que me formou, o Bando de Teatro Olodum, me ensinou que o deslumbramento é uma coisa que a gente tem que deixar de lado. O Bando é a minha grande escola.
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Clichê dos clichês. O preço da fama é alto?
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Não é não. (A senadora) Heloísa Helena (PSol-AL) disse – não sei se ela citou a frase de alguém –, que o poder não corrompe o homem, revela o homem. Você aprende a lidar com isso. Acredito nisso.
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Lázaro Ramos: “Sou um operário”.
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A TARDE – O sucesso não veio nada fácil para você, a julgar por sua caminhada de vida.
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Lázaro Ramos – Acho que tudo que vivi até hoje me trouxe pro chão, me ajudou. Isso só contribuiu para valorizar minhas conquistas, minha personalidade. Na verdade, sou um operário, isso não é uma festa.
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Como é essa história de trabalhar como técnico de patologia antes de seguir carreira artística?
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Era ótimo. Eu adorava. Só era ruim porque eu tinha que acordar todo dia às 4h30. Adoro tirar sangue (risos). Trabalhei em um hospital público durante dois anos em São Francisco do Conde (município baiano).
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Foi o Bando de Teatro Olodum que lhe deu régua e compasso para levar arte para o mundo. Como você descobriu o Bando?
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Descobri o Bando quando fazia o curso livre de teatro no Colégio Anísio Teixeira. Fiz um teste lá com meus amigos, me apaixonei pelo espetáculo Ó Pai Ó. Passei na audição, entrei pro Bando e me considero dele até hoje.
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Como é sua rotina?
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Trabalho muito sozinho. Quando não estou na gravação do Fantástico, fico em casa lendo ou no computador tentando escrever peças e projetos. Quando não tenho patrão, trabalho por conta própria. Em momentos de lazer, vou à casa de amigos como Wagner Moura, Zéu Britto e Wladimir Brichta, vou ao cinema. Tenho um desejo muito grande de ser diretor de cinema e teatro. Quero ser empreendedor para produzir as minhas peças.
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A relação com a família é legal?
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É ótima. Infelizmente, a distância é grande, mas a gente se fala toda semana. Mesmo estando distante me sinto cuidado. Minha família é muito carinhosa, meus pais e minha irmã, Viviane, de 18 anos.
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No seu pique de vida há tempo para romance? Está amando?.Estou namorando a (atriz) Thaís Araújo há um tempinho.
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Que tempinho?
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Quando a pessoa fala um tempinho é porque o assunto encerrou (risos). Tenho que preservar minha vida pessoal.
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Tem novos projetos de trabalho já engatilhados?
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Não. Agora vão começar as estréias de Cidade Baixa e A Máquina (filme dirigido por João Falcão). Eu faço o personagem de um doido em A Máquina.
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Brasil do mensalão, do escândalo dos Correios, da corrupção, da crise generalizada. Você acredita no governo brasileiro?
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Não sei mais no que acredito. Acredito na necessidade de ter muita consciência na hora de votar. Temos que manter uma vigilância constante sobre nossos governantes. Isso vale para todos os brasileiros. A gente imaginava que a esquerda era pura e 100% honesta. Infelizmente, a gente percebeu que há pessoas que não são honestas. Continuo acreditando na esquerda, mas agora vamos ter que selecionar quem vai defender nossos interesses, mesmo dentro da esquerda.
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Você está morando no Rio? Bate paranóia com a violência divulgada em cada esquina carioca, em cada canto do País?
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Moro no Rio. Às vezes fico assustado com a violência, mas não deixo isso me paralisar, não. Moro no Rio há cinco anos e nunca sofri qualquer violência.
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Como é Lázaro Ramos na intimidade?
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Sou bastante comum e gosto muito de ser assim: hábitos comuns, uma pessoa que erra, tem enxaqueca e desejos, igual a todo mundo.
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Você tem fome de quê?
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De aprender.
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Fonte: A TARDE

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