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Friday, January 06, 2006

Uma entrevista com LÁZARO RAMOS

Aos 26 anos, o baiano Lázaro Ramos é, sem dúvida alguma, um dos melhores atores do Brasil. E, considerando seu curto tempo de carreira, um dos mais premiados também. Atualmente ele apresenta o quadro Instinto Humano, do Fantástico, mas onde se notabilizou mesmo foi no cinema, contabilizando nada menos que quatro grandes sucessos de bilheteria (Madame Satã, O Homem que Copiava, Carandiru e Meu Tio Matou um Cara). Além disso, fez uma minissérie (Pastores da Noite), um seriado de humor (Sexo Frágil) e duas peças no eixo Rio-São Paulo (A Máquina e As Três Marias). Antes, lá no começo, trabalhou com o Bando de Teatro Olodum, em Salvador, onde o diretor Márcio Meirelles deu início a sua formação de ator. Seu retorno às telonas está previsto para breve. Estreará em dois filmes: Cafundó e Cidade Baixa.
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Vivaldo Lima Trindade - Algum dia você imaginou que faria tal sucesso enquanto artista?
Lázaro Ramos - Para responder isso, eu preciso sempre dizer o que é sucesso para mim. E sucesso está diretamente ligado a conseguir realizar seus objetivos com solidez. Eu já estava vivendo um sucesso, por fazer parte de um grupo de teatro como o Bando de teatro Olodum, que estava sempre produzindo, apesar das milhares de dificuldades, e estar mandando sempre uma mensagem importante como a que o Bando tem. Agora, esse "sucesso" de hoje em dia é reflexo da boa base que o Bando me deu, então eu fui me conscientizando dele aos poucos... E me conscientizando realmente de que esse sucesso está ligado às minhas crenças artísticas. Então, quero continuar ligado à minha origem e à proposta de levar entretenimento com qualidade e reflexão para as pessoas. Se eu conseguir isso, aí sim posso dizer que obtive sucesso artístico.
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VLT - Qual o maior desafio de sua carreira até os dias de hoje? E porquê?
LR - Felizmente, eu tive trabalhos que me proporcionaram a sensação de estar sendo desafiado. Desde o Bando, quando Márcio, num gesto de confiança, me desafiou a substituir o protagonista no mesmo dia que a peça seria encenada. Não saberia dizer o maior, porque só o fato de ser ator já é um desafio constante, onde não temos segurança de nada, onde tudo sempre e um recomeço, onde escolher é um desafio... Vou citar como exemplo, mas não como maior desafio, o filme Cidade Baixa, de Sergio Machado, todo filmado na Bahia. A preparadora era Fátima Toledo (a mesma do Cidade de Deus) e, depois de eu já ter feito vários filmes, ela nos fez (atores) por em dúvida tudo o que nos achávamos saber, porque o trabalho dela consiste - resumidamente - em perceber quem somos, para depois perceber quem é o personagem que vamos contar. E olhar para dentro de nós mesmos foi um desafio que me custou um tempo e algumas noites de insônia, até descobrir como trabalhar com essa informação.
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VLT - E o papel que lhe deu maior tesão, que lhe deixou mais satisfeito?
LR - Não posso responder essa também, porque eu tive a sorte de trabalhar com histórias, colegas e diretores que sempre me deram prazer. Todos os papéis, felizmente, foram muito prazerosos, inclusive em suas diversidades. Não posso dizer qual foi o mais intenso, se quando passei por Sancho Pança, Zumbi dos Palmares, Madame Satã, o homem que copiava, Priscila ou Deco, do Cidade Baixa. São tesões distintos.
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VLT - Inicialmente você trabalhou com teatro, depois migrou para o cinema e para televisão. Em sua visão, qual as diferenças mais fundamentais para o trabalho do ator nesses três veículos? Você seria capaz de julgar a importância de cada um deles para o público?
LR - Para mim, a grande diferença é o tempo e o aprendizado de como lidar com cada um deles. Na televisão, o aprendizado é como manter a qualidade com uma demanda grande de cenas por dia; no teatro, as descobertas são constantes, e uma rotina gostosa onde você vai repetindo a mesma história e, no último dia de temporada de um espetáculo, ainda há o que aprender com aquele texto. O cinema tem um tempo maior de construção de cada cena. A importância de cada um deles é uma resposta meio individual e pessoal: A da tevê é o alcance; a do cinema é a sensação de ter um trabalho que vai perdurar por mais tempo; a do teatro é a sensação única que cada espetáculo tem, portanto é uma emoção que talvez jamais se repita.
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VLT - Tem-se a impressão que o método de Stanilawski ainda não caducou na preparação do ator, que as "melhores" atuações ainda são consideradas as mais realistas. Márcio Meirelles, com quem você trabalhou ainda em Salvador, usa de uma metodologia diferente, não? Qual era o processo do Bando de Teatro Olodum? Como ele lhe influenciou para ser o ator que é hoje?
LR - Eu acredito numa coisa em relação ao método do ator; para mim, não ha uma só verdade. O nosso trabalho está ligado ao ser humano. Ser humano esse que tem várias culturas, várias personalidades... Enfim, existem milhares de possibilidades. Então, acho que para contar a história de cada ser humano podemos usar o que melhor nos convém. Acho que isso vem do Bando, onde o trabalho de improvisação sempre foi muito usado. E do fato do Márcio trabalhar o ator consciente do que está dizendo, dando sempre o nosso depoimento pessoal, faz com que sejamos "atores massa de modelar". Ou seja, estamos disponíveis para viver vários métodos e várias situações. Tudo é útil. É o espaço da diversidade e escolha até para o ator. Eu sempre uso em cada trabalho um método inventado, que é a mistura de todos e ao mesmo tempo de nenhum deles.
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VLT - Ainda se faz imprescindível viver no eixo Rio-São Paulo para se ter uma carreira bem sucedida? O fato de ser um ator negro ajudou ou atrapalhou em alguma medida?
LR - Vou lhe responder diferente... Acho que o imprescindível é continuar em seu local de origem e lutar para o crescimento da cultura local. Claro que com isso não estou dizendo que estar em seu local de origem seja fácil também. O que quero dizer é que são dificuldades diferentes, mas que em qualquer lugar vão existir. Falo que é imprescindível a permanência, porque tenho um exemplo vivo e de grande eficácia que é a Casa de Cinema de Porto alegre. São um grupo de 7 amigos, entre eles o Jorge Furtado, que optaram desde os anos 70 em ficar no Rio Grande do Sul e produzir filmes, inicialmente curtas, buscando alternativas variadas. E, hoje em dia, graças a persistência dessas pessoas, transformou o Rio Grande do Sul no terceiro pólo produtor de cinema brasileiro, ficando atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. O fato de ser um ator negro, não sei se ajudou ou atrapalhou, mas o fato de ser um ator negro do Bando de Teatro Olodum, e que teve a sua formação num dos períodos mais produtivos do teatro baiano, com certeza ajudou. Acredito que além da minha formação, do meu talento e dedicação eu fui privilegiado em ter pessoas que apostaram em mim, desde João Falcão, quando me chamou para fazer o espetáculo teatral A maquina, até Karim Ainuz, que apostou em mim para protagonizar o Madame Satã.
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VLT - Você também tem seus ídolos? Quem você admira dentro ou fora do Brasil?
LR - Tenho muitos ídolos e referências, acho que usaria muito do seu espaço para falar deles. Vou dar 2 exemplos do que fazem uma pessoa ser admirável para mim. Para ser um ídolo, a pessoa tem que ser além de um bom profissional, naquilo que fizer, um bom ser humano. Eu não acredito num bom profissional mau caráter. Então, Zebrinha (coreógrafo do balé folclórico da Bahia e do Bando) se encaixa muito bem nesse perfil, ele é de uma competência admirável e do coração do tamanho de Marte. Meu próprio pai é um exemplo disso, um homem batalhador, que veio do interior da Bahia e conseguiu me educar e auxiliar a família sempre. Claro que admiro muito também Pedro Cardoso, Zé Dumont, Spike Lee, Mario Gusmão... Enfim... 372 outros, mas isso fica pra próxima entrevista.
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VLT - Com que diretor você gostaria de fazer um novo trabalho no cinema? Tem visto novos filmes? O que tem lhe agradado?
LR - Sendo bem sincero, eu admiro o trabalho de vários cineastas brasileiros. Poderia citar vários nomes, mas o que me inspira mesmo num trabalho é a história, e muitas vezes boas historias estão nas mãos de diretores que nunca fizeram um longa metragem sequer. A energia dos jovens diretores me instiga muito. E acompanho sim o cinema nacional. Ultimamente os dois filmes que me agradaram, só para dar 2 exemplos dentro do muito que é feito hoje em dia, foram Quase Dois Irmãos, da diretora Lucia Murat com Flávio Bauraqui e Caco Ciocler, e o belíssimo Filhas do Vento, de Joel Zito Araujo.
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VLT - E no teatro? Trabalharia com Zé Celso Martinez?
LR - Claro que sim. Aliás, já fiz duas leituras com ele e foi muito bom. O Zé tem um trabalho desafiador e ao mesmo tempo muito prazeroso. É uma experiência rica trabalhar com ele. É bom porque desarma o ator, dá liberdade, vontade de arriscar, de se desconstruir.
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VLT - Fale um pouco de seus projetos mais recentes, do que está por vir.
LR - Estou fazendo um filme rodado no México, Argentina, Nova York e Brasil, até junho, dirigido por Jean Poul Le Duc, diretor de Frida (1985) e México Insurgente (1990), baseado em contos do Rubem Fonseca. O Filme se chama "O Cobrador" e eu faço o próprio. Está sendo bom conhecer o trabalho de uma equipe de outro país, e estar a cada dia passando por culturas diferentes. Mas daqui a pouco vou estar me ocupando com a divulgação do filme Cidade Baixa, dirigido por Sérgio Machado. Filme todo rodado na Bahia e com elenco baiano. Inclusive, o outro protagonista é meu irmão Wagner Moura. É um filme que eu tenho certeza que o público baiano vai se identificar muito e vai correr para o cinema, afinal de contas, na retomada, o baiano se viu pouco na telona.
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